Após resultado de pesquisa científica por ele encomendada, Haddad propôs aumentar o número de dias letivos e um amplo debate sobre o tema. Será essa a solução para a Educação do Brasil?
Fernando Haddad e Ricardo Paes de Barros - Fonte: G1.Globo
No dia 21 de setembro, o Ministro da Educação Fernando Haddad apresentou os resultados de uma pesquisa científica por ele encomendada sobre a correlação entre o número de horas que o aluno passa na Escola e o seu Rendimento Escolar, pois deseja um Grande Debate sobre o Assunto. A pesquisa foi realizada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo e revelou que, quanto maior o tempo (mais horas) na Escola, melhor a aprendizagem e os resultados do aluno nas avaliações (ENEM, SAEB, etc.).
O resultado não traz nenhuma surpresa, pois qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento e discernimento poderia afirmar o mesmo, independente de qualquer pesquisa científica, mas a solução apresentada pelo Ministro, aumentar o número de dias letivos de 200 para 220, objetivando a melhoria do desempenho dos alunos é que causa revolta, mesmo sem causar estranheza, pois todos nós sabemos que, no Brasil, Educação é PRIORIDADE APENAS NO DISCURSO, já que as “soluções mágicas” que os sucessivos governos oferecem são sempre um “Placebo”: servem apenas para agradar aos incautos e não para resolver o problema da qualidade do ensino.
Segundo a pesquisa coordenada por Ricardo Paes de Barros, secretário-executivo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, aumentando dez dias letivos, o aprendizado do aluno se eleva em até 44% no período de um ano. Em defesa de sua proposta, Haddad compara o número de horas anuais do Chile, que atualmente é de 1.200, com o do Brasil, 800 horas anuais. Haddad não descartou ainda, a possibilidade de aumentar o número de horas por dia em sala de aula. Já Paes de Barros citou o número de dias letivos de Japão (243), Coreia do Sul (220) e Israel (216).
Perfeito, é do conhecimento de todos que, quanto maior o tempo de exposição ao conhecimento, maior a aprendizagem do aluno, porém existem outros fatores relacionados à problemática que o Haddad e Paes de Barros não citam. E já que é para fazer comparações com Chile, Japão, Coreia do Sul e Israel, que seja:
CARGA HORÁRIA
Se a carga horária chilena é 50% superior à brasileira, se fosse trabalhar no mesmo regime de meio período adotado no Brasil, o Chile teria que ter 300 dias letivos, o que seria impossível, pois no mês são trabalhados aproximadamente 20 dias e, para atingir as 1.200 horas no ano, teria que se trabalhar por volta de 15 meses. Como o ano é universal e possui 365 dias divididos em 12 meses, podemos concluir que para cumprir as 1.200 horas anuais, o Chile adota o sistema de escola em tempo integral. Como no Brasil se pensa em “melhorar” a educação sem investimento, o Ministro Haddad propõe aumentar o número de dias letivos de 200 para 220, aumentando o ano letivo em um mês e tendo um gasto adicional mínimo, elevando de 800 para 880 horas anuais, se não aumentar o tempo diário. Será que essa medida é suficiente para melhorar o desempenho escolar do aluno brasileiro? Será que isso vai melhorar a qualidade do ensino? Se realmente estivesse preocupado com a qualidade da Educação brasileira, o Ministro estaria propondo a adoção do regime de tempo integral. Se não o faz, é porque implica em um grande investimento para atender a demanda: construção de novas escolas; contratação de novos profissionais; melhoria da infra-estrutura das escolas com maior espaço para esporte e implantação de novas disciplinas culturais como música e teatro; oferecer a todas as condições para essas novas disciplinas; implantação de refeitórios, já que será necessário servir almoço aos alunos... E isso não é “interessante” para o meio político do país, afinal, povo bem educado é povo consciente e, povo consciente não é povo facilmente manobrável.
INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO
Para atender às condições acima citadas, seria necessário aumentar o investimento, já que o Brasil investe atualmente apenas 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. Com o novo PNE o governo quer aumentar esse investimento para 7% e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) pede 10% do PIB para a área. Ao comparar o tempo de permanência do aluno em sala de aula no Brasil e no Chile, Haddad demonstra disposição apenas para defender sua ideia, como se todos os problemas da Educação brasileira estivesse restrito a esse fator. O que ele quer, na verdade, é “mascarar” a diversidade de causas envolvidas na problemática, pois deveria dizer, também que, enquanto o Brasil investe míseros 5%, o Chile investe 7,5%; nos últimos 20 anos o Japão investiu 15%; o investimento da Coreia do Sul foi de 10% por 20 anos; já o investimento de Israel, há décadas é de 8,5%. Quem quer realmente resolver um problema, encara todas as suas causas, procurando melhorar em todos os aspectos e não em apenas um deles. No caso da Educação, um dos maiores problemas é o baixo investimento e, no Brasil, faz-se necessário um investimento pesado na área, caso contrário, com outras medidas apenas, o problema só será amenizado, mas não resolvido.
VALORIZAÇÃO DO PROFISSIONAL DO MAGISTÉRIO
Na comparação da carga horária das escolas chilenas e brasileiras, Haddad diz que o Brasil está com o equivalente ao que o Chile tinha no ano 2000. Deveria dizer também que, em 2004, pelo ranking de remuneração dos professores dos Ensinos Básico e Médio da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Chile, com um salário anual de 9.589 Euros anuais (cerca de R$ 1.760,00 mensais) ficou à frente apenas da Polônia, com 5.614 Euros anuais (cerca de R$ 1.030,00 mensais), bem superior aos atuais R$ 1.187,00 mensais, valor do Piso Salarial brasileiro. E o que dizer dos salários do professores de Japão (21.484 euros, ou R$ 3.940,00), Coreia do Sul (24.978 euros, ou R$ 4.580,00) e Israel (11.948 euros, ou R$ 2.190,00), países citados por Paes de Barros? Um detalhe: esses valores mensais foram calculados incluindo o 13º salário, coisa que nem todo país adota, como o Brasil. Sem contar esse benefício, o salário mensal era de R$ 1.900,00 no Chile, R$ 4.270,00 no Japão, R$ 4.960,00 na Coreia do Sul e R$ 2.370,00 em Israel. Enquanto esses eram, aproximadamente, os valores pagos, em 2004, aos professores dos países citados pelo ministro e pelo secretário, em 2011 o Brasil oferece aos seus profissionais da Educação míseros R$ 1.187,00. Dá para acreditar na seriedade de suas palavras?
1º e 2ºciclos | 3º ciclo | Ensino Secundário | ||||
Inicio de carreira | Após 15 anos | Inicio de carreira | Após 15 anos | Inicio de carreira | Após 15 anos | |
Austrália | 26 087 | 38 624 | 26 395 | 38 754 | 26 395 | 38 754 |
Áustria | 22 342 | 29 539 | 23 222 | 31 608 | 23 531 | 32 516 |
Bélgica (Fl.) | 24 732 | 34 286 | 24 732 | 34 648 | 30 694 | 44 318 |
Bélgica (Fr.) | 23 122 | 32 173 | 23 308 | 32 900 | 29 048 | 42 320 |
República Checa | 13 365 | 17 555 | 13 365 | 17 555 | 13 397 | 18 263 |
Dinamarca | 29 583 | 33 298 | 29 583 | 33 298 | 29 054 | 40 827 |
Inglaterra | 25 260 | 36 916 | 25 260 | 36 916 | 25 260 | 36 916 |
Finlândia | 24 561 | 28 571 | 28 453 | 33 643 | 30 577 | 38 216 |
França | 20 292 | 27 297 | 22 451 | 29 455 | 22 764 | 29 769 |
Alemanha | 33 116 | 41 209 | 34 358 | 42 290 | 37 158 | 45 554 |
Grécia | 20 809 | 25 151 | 20 809 | 25 151 | 20 809 | 25 151 |
Hungria | 9 956 | 12 741 | 9 956 | 12 741 | 11 229 | 15 728 |
Islândia | 16 989 | 19 664 | 16 989 | 19 664 | 21 905 | 26 871 |
Irlanda | 23 420 | 38 794 | 24 221 | 38 794 | 24 221 | 38 794 |
Itália | 20 855 | 25 226 | 22 473 | 27 474 | 22 473 | 28 243 |
Japão | 21 484 | 40 171 | 21 484 | 40 171 | 21 484 | 40 178 |
Coreia do Sul | 25 084 | 42 912 | 24 978 | 42 806 | 24 978 | 42 806 |
Luxemburgo | 40 657 | 55 990 | 58 574 | 73 217 | 58 574 | 73 217 |
México | 11 120 | 14 636 | 14 258 | 18 607 | m | m |
Holanda | 27 424 | 35 636 | 28 430 | 39 220 | 28 714 | 52 471 |
Nova Zelândia | 16 367 | 31 663 | 16 367 | 31 663 | 16 367 | 31 663 |
Noruega | 26 005 | 31 098 | 26 005 | 31 098 | 26 005 | 31 098 |
Polónia | 5 614 | 9 011 | 5 614 | 9011 | 5614 | 9011 |
Portugal | 16 848 | 27 776 | 16 848 | 27 776 | 16 848 | 27 776 |
Escócia | 25 113 | 40 051 | 25 113 | 40 051 | 25 113 | 40 051 |
Eslováquia | m | m | m | m | m | m |
Espanha | 27 552 | 31 908 | 30 816 | 35 702 | 31 426 | 36 483 |
Suécia | 22 083 | 25 920 | 22 796 | 26 709 | 23 698 | 27 896 |
Suíça | 34 492 | 45 618 | 37 267 | 48 391 | 46 832 | 60 636 |
Turquia | 14 643 | 16 169 | a | a | 13 769 | 15 296 |
Estados Unidos | 28 713 | 34 892 | 27 603 | 35 197 | 27 725 | 35 158 |
Média da OCDE | 22 588 | 30 817 | 24 197 | 32 914 | 25 368 | 35 379 |
Média da EU 19 | 22 833 | 30 452 | 24 519 | 32 408 | 25 510 | 35 176 |
Chile | 9 589 | 11 393 | 9 589 | 11 393 | 9 589 | 11 922 |
Israel | 11 948 | 14 659 | 11 948 | 14 659 | 11 948 | 14 659 |
Salários dos professores, em euros (2004)
E ainda, segundo o Instituto de Pesquisas e Administração da Educação (IPAE), quando a média salarial do professor brasileiro estava em 170 e 240 dólares, respectivamente, para carga horária de 20 e 40 horas semanais, o professor chileno tinha um salário médio de 680 dólares mensais e carga horária de 44 horas semanais. Para 40 horas semanais, o salário médio no Chile estaria em torno de R$ 618,00 ou seja, mais de 250% superior ao brasileiro. Sabemos que quanto maior é o salário, maior é a motivação do trabalhador que, consequentemente, produz mais e melhor, além de atrair profissionais mais qualificados. Essa comparação do salário brasileiro com o chileno, o japonês, o sul coreano e o israelense, Haddad e Paes de Barros não fazem.
O SISTEMA EDUCACIONAL
Vejamos agora algumas diferenças entre o Sistema Educacional brasileiro e o chileno que, para melhor visualização, está representado no quadro abaixo:
Brasil | Chile | |
Ensino obrigatório | Desde 2003, Segundo Grau | |
Ensino Médio | 3 anos | 4 anos |
Educação Superior | 2 tipo de instituições |
Pela tabela acima podemos notar que, enquanto no Brasil só é obrigatório o Ensino Fundamental, no Chile, desde 2003, a obrigatoriedade se estende até o segundo grau, equivalente ao nosso Ensino Médio. O Ensino Médio brasileiro tem duração de três anos e no Segundo Grau chileno a duração é de quatro anos e dividido em aproximação humana-científica e educação técnico-profissional. Na primeira modalidade, ao ingressar no terceiro ano o aluno pode optar pela formação em humanas (com ênfase em literatura, história, sociologia) ou em ciência (com ênfase em matemática, física, química, biologia), já na segunda modalidade, mais típica das escolas públicas, onde o aluno recebe uma educação extra nas áreas técnicas como eletricidade, mecânica, metalúrgica, informática, administração, economia, moda, culinária, enfermagem, etc. tendo oportunidade de trabalhar ao completar o curso. O Ensino Superior brasileiro possui apenas dois tipos (se considerarmos o Instituto Tecnológico da Aeronáutica – ITA), e o chileno possui quatro tipos: Universidades, Institutos Profissionais, Centros de Formação Técnica e Instituição Superior das Forças Armadas e da Ordem.
Vale salientar que no Chile, a única forma de acesso à Educação Superior no Chile é através do Prova de Seleção Universitária (PSU), elaborada e corrigida pela Universidad de Chile e administrada pelo Ministério da Educação. O PSU é um teste com dois exames obrigatórios: matemática e idioma para todos os cursos e exame específico ao curso que se pretende fazer e as notas do segundo grau também são consideradas.
CONCLUSÃO
Se o Governo realmente quer melhorar a Educação de nosso povo, deve atentar pelo menos a esses dados e seguir o exemplo dos países que obtiveram sucesso. Creio que podemos considerar que alcançaremos uma Educação com a qualidade que sonhamos e que um país como o Brasil merece quando:
- Houver vontade política em investir na área pelo menos 10% do PIB, com seriedade, compromisso, fiscalização e punição exemplar aos corruptos que desviarem verbas destinadas à Educação. É preciso se conscientizar que a Educação é a base do crescimento do país em todos os sentidos. Se o povo for bem educado, cuidará melhor da sua saúde, preservará melhor do patrimônio público, a violência tende a diminuir e o governo precisará investir menos na saúde e na segurança, tendo assim, mais recursos para investirem saneamento básico, transporte, infra-estrutura, etc.;
- Adotarmos a escola em tempo integral com estrutura que ofereça aos estudantes esporte, cultura e atividades atrativas, que sejam vinculadas ao desempenho acadêmico do aluno nas disciplinas formais, ocupando-os com aulas de reforço onde tiverem dificuldades;
- O professor for realmente valorizado, com salário digno, compatível com a profissão e a responsabilidade que lhe cabe em educar os cidadãos que serão os profissionais das mais diversas áreas. Quem é responsável pela formação de todos os profissionais não merece ser inferiorizado por nenhum deles, nem mesmo em sua remuneração;
- O Sistema Educacional for reformulado e, a exemplo do Chile e dos Estados Unidos, valorizar o currículo escolar dos alunos. Atualmente o aluno brasileiro se preocupa apenas em ser aprovado e não com sua aprendizagem. Isso ocorre por falta de perspectiva de futuro pois, estudando em escola pública, não vê como concorrer com alunos da rede privada; se pode concorrer com os últimos, não tem como se manter enquanto estuda.
- A Educação estiver voltada para que os nossos jovens aprendam a fazer uma boa leitura de mundo, para que eles saibam fazer a escolha de suas profissões com base na vocação e no talento. Teremos uma Educação que realmente valha a pena quando deixarmos no passado a lógica de que educar é fazer com que o aluno aprenda a ler, escrever e fazer contas, que esse aprendizado faça com que ele possa obter uma vaga no mercado de trabalho, buscando bons salários que lhes propiciem status e lhe permita ser consumista, para poder alimentar e eternizar o capitalismo.
Claro que o exposto não esgota todos os problemas enfrentados na Educação de nossa nação, existem muitos outros fatores envolvidos. Mas seria um ótimo início para um país que pretende fazer comparações entre a sua Educação e a de países como Chile, Japão, Coreia do Sul e Israel. Resta saber se Fernando Haddad e Ricardo Paes de Barros estão dispostos a defender tais ideias.
“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”
Paulo Freire
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